domingo, 11 de janeiro de 2009


Ainda faltavam algumas horas para a virada do ano (e milênio) quando Henrique chegou para me buscar. Parecia empolgado, o que me deixou ainda mais ansiosa.

- Parabéns para nós, meu amor. – ele disse sorridente assim que abri a porta para deixá-lo entrar. Me abraçou forte e levantou alguns centímetros do chão. – Seu presente, entrego daqui a pouco... Vamos?!
- Vamos! Mas não antes que eu entregue o seu. – sorri animada correndo até a mesa onde havia uma grande caixa. Mesmo antes de abri-la, ele pareceu desconfiado. Desfez o nó do laço e puxou a tampa, soltando um assobio de surpresa e um largo sorriso em seguida.
- Uma jaqueta de couro! Linda! – disse enquanto abria a jaqueta no ar, virando-a de todos os lados.
- Não é só uma jaqueta de couro! – apressei-me a indicar para ele a marca “IM” bordada do lado esquerdo, perto de outros buttons. – É a primeira peça de roupa que eu mesma desenhei, especialmente pra você! Feita com couro de Chifres-Longo Romeno, uma espécie de dragão muito perigosa. Ah, tem vários bolsos internos também. Essa jaqueta me custou o primeiro “dez” do meu curriculum, sabia? A professora de “Design de Moda I” ainda está insistindo para que eu conte onde consegui esse couro verde escuro. Dei trabalho para Morgan, aquela minha amiga que trata de dragões, sabe? – mas ele me encarava com um brilho no olhar e parecia não estar escutando uma palavra do que dizia. Ri. – Estou falando demais, não é? Gostou do presente? Acha que levo jeito...?
- Eu adorei o presente. É a jaqueta de couro mais linda que já vi! Bate em todas essas nas vitrines... – ele me deu um beijo e vestiu a jaqueta, esticando os braços e dando uma voltinha para que eu avaliasse. – Como fiquei?
- Lindo. Agora vamos! Estou curiosa pra saber qual é a surpresa! – ele parou de admirar a jaqueta por alguns segundos, consultando o relógio.
- É verdade, precisamos nos apressar. Mas antes de irmos, você poderia pegar seu telescópio?
- Meu telescópio? Porque você quer levar meu telescópio?
- Porque estou levando o meu, mas acho que o seu é melhor... Não, não adianta me perguntar o que vamos fazer! – ele se adiantou quando viu minha boca se abrindo para perguntar. Tornei a fechá-la dando-me por vencida.
- Ok, ok, vou pegar.

Alguns minutos depois, saímos de casa. Cruzamos Manhattan e quando entramos no condado de Queens, me virei surpresa para ele, que continuou olhando para frente e dirigindo, decidido a não me adiantar nenhum detalhe. Depois do que me pareceu meia hora, ele encostou o carro em um posto de gasolina e me olhou com jeito de quem estava tramando alguma coisa.

- Estamos quase lá, é no próximo quarteirão! Então... – puxou uma venda preta - Vou amarrar isso em você, ok? Prometo que só por 10 minutos, no máximo isso!

Cansada de protestar, concordei com a cabeça e deixei que ele amarrasse o pano nos meus olhos. Logo o carro recomeçou a andar e parou novamente. Henrique saiu e abriu a porta, me ajudando. Subimos um lance de escadas, depois entramos em um elevador e quando saímos, ele pediu que esperasse parada. Ouvi um barulho que pareceu ser o de uma fechadura sendo aberta e um segundo depois me senti sendo levantada do chão. Henrique me pegou no colo e deu mais alguns passos. A porta atrás de nós se fechou.

- Pronto. Pode tirar a venda.

Ele me colocou novamente no chão quando tornei a abrir os olhos. Definitivamente, estávamos no topo de um prédio muito alto, pois por toda sua extensão (coberta por janelas de vidro) dava para ver boa parte da cidade. O local, no entanto, não possuía nenhum móvel.

- Onde estamos? – perguntei depois de uns minutos andando pelo lugar.
- Estamos no meu mais novo apartamento. – Henrique disse com simplicidade e me virei para encará-lo, assustada. – Comprei há alguns dias. Subindo aquelas escadas, vamos parar no terraço do prédio. É lá onde está sua surpresa.

Eu estava chocada demais para dizer alguma coisa. Henrique puxou minha mão e subimos as escadas em espiral que levavam ao terraço. A noite estava bastante fria, mas não nevava. Lá de cima, as luzes da cidade piscavam como se fossem estrelas. A uma curta distância, vi o telescópio dele montado, apontando para o céu. Também haviam dois colchões no chão cobertos por várias mantas e almofadas e uma máquina de fondue.

- Você só pode estar brincando. – foi a única coisa que eu consegui falar e ele riu. Se soltou da minha mão se adiantando para montar meu telescópio também, ao lado do dele. Depois de alguns minutos, pediu para que me aproximasse.
- Agora, vou te dar seu presente. Olhe no seu telescópio. Já consigo vê-la daqui... – ele falou empolgado e olhei pela lente. Apontava diretamente para a constelação de Velpucula. Antes que pudesse perguntar o que exatamente estávamos procurando, ele continuou – Está vendo aquela estrela maior, no centro das outras cinco pequenas? Mais ao canto esquerdo...? – localizei-a com facilidade. Era a que mais brilhava na lente.
- Sim. O que tem ela?
- O nome dela é Isabel McCallister.

Me afastei tão rapidamente do telescópio que ele acabou girando pro outro lado do céu. Encarei Henrique incrédula e ele sustentou meu olhar, sorrindo.

- O que você disse?
- Isso mesmo que você ouviu. Registrei essa estrela com o seu nome. Tenho certificado e tudo o mais. É só uma dentre bilhões mas... é sua.
- Você só pode estar brincando. – repeti e ele riu me abraçando.
- Não. Nunca falei tão sério na minha vida. Nunca senti por outra pessoa o que sinto por você. Chega a ser estranho a rapidez que isso aconteceu... Parece que nosso destino estava mesmo marcado. Se lembra?
- Claro que me lembro. A mensagem do “Livro da Sorte”.
- É. Muita sorte mesmo, não acha? Termos nos encontrado... Já temos um ano de namoro, daqui mais alguns podemos nos casar!
- Falou certo. Daqui mais alguns, sim. Por enquanto quero me focar na faculdade... E além do mais, quando formos nos casar, quero uma festa impecável!
- Quando você quiser. Já temos onde morar. Gostou daqui? – me abraçou pela cintura e ficamos observando as ruas de Queens vários metros abaixo.
- Adorei. Acho que até dá pra ver alguns fogos da Times Square.
- É, talvez. Mas ainda temos umas horas até lá... Melhor esperarmos sentados.

Ele sugeriu e nos sentamos nos colchões, nos cobrindo com mantas. O resto da noite foi gasto comendo fondue e fazendo planos. Não demorou até que mais um ano virasse, prometendo ser ainda melhor.

sábado, 10 de janeiro de 2009


Lembranças de Isabel McCallister:

- Então quer dizer que Rebecca se separou de papai por causa do Grimoire? Porque estava com medo das maldições que nossa avó lançou sobre eles, o casamento e a gravidez, depois que mamãe se recusou a continuar com a tradição?
- É, aparentemente. Mamãe foi a primeira, depois de séculos repassando o livro de geração por geração, que se recusou a escrever não é? É claro que corria riscos de sofrer graves conseqüências por causa disso. Aliando-se o fato de estar grávida de um trouxa e quebrar a corrente “puro-sangue” da família.
- Isso quer dizer que... quero dizer... você acha que eles ainda se amam? – perguntei sentindo a garganta seca e Anabel também pareceu sentir o peso daquelas palavras.
- Acho que quando se ama de verdade, é eterno. Não precisa me olhar assim, não estou lendo muitos romances, mas não é isso que todos dizem? Acho que, bem provavelmente, eles ainda se amam sim. Na carta mamãe não diz que se separou de Richard por medo, mas o amando tão ou mais intensamente do que antes?! Então. Acho que esse sentimento foi coberto pelo tempo e está cheio de mágoas e histórias mal-resolvidas, mas sinceramente? Acredito que eles ainda se amem...
- Será que eles voltariam a ficar juntos?
- Como?
- Bem, agora que ela não tem que esconder mais nada pra proteger ninguém aqui... Eles talvez ainda tenham uma chance de serem felizes juntos, você não acha?
- Não sei... Você quer que façamos eles ficarem juntos de novo?
- Por enquanto eu só quero que tudo fique bem, mas se eles se amam e nada os impede de ficarem juntos... não seria tão má idéia...

ººº

- O amor é lindo! O céu é azul! Os passarinhos cantando... Já contei que estou apaixonada?
- Quem é o alvo dessa vez?
- Henrique: 23 anos, moreno, olhos verdes, educado, inteligente, simpático, extrovertido, um deus!!!
- Onde você encontrou esse ‘deus’, Isa?
- Lá em casa, sentado no meu sofá!!! É um estagiário do meu pai... Foi amor à primeira vista!

ººº

- “O Cometa: Um cometa rasga o espaço, o destino está marcado. A luz de uma boa estrela seguindo, forte, ao teu lado”. Nada mal. As estrelas sempre me trouxeram coisas boas... - Henrique comentou me encarando sério.
- O que você perguntou?
- Perguntei ao livro se você me daria um tapa caso eu te beije agora.
- O livro te respondeu que o nosso destino está marcado. Ele te respondeu tudo o que precisava? - Perguntei um pouco gelada e ele sorriu se aproximando e segurando meu rosto.
- Respondeu sim. Tudo o que eu precisava e um pouco mais. - Disse antes de me puxar para mais perto e me beijar lenta e intensamente.

ººº

- Cinco... Quatro... Três... Dois... Um... FELIZ ANO NOVO!

A Times Square se encheu de gritos, palmas, fogos de artifício e confetes coloridos, cada um com uma mensagem. A bola de cristal que no último minuto vinha deslizando gradualmente do topo do edifício Times Tower, cessou. Ao meu lado, centenas de pessoas comemoravam o novo ano com abraços, beijos, promessas e sorrisos estampados. Henrique me abraçou com força pela cintura sussurrando em meu ouvido:

- Quer namorar comigo, Isabel Damulakis McCallister?
- Você ainda me pergunta uma bobagem dessas? – respondi sorrindo e me virando para beijá-lo enquanto uma chuva de papel picado caía em nossas cabeças. Seria um ano bem melhor.

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Dezembro de 1999

- Ainda não entendo porque você e Anabel não querem ir para passarem o final de ano na Grécia comigo e com sua mãe. – papai comentou enquanto arrumava sua mala.
- Oras, não é óbvio? Agora que você e ela reataram esse “namoro”, depois de anos separados, merecem um tempo juntos e sozinhos não é mesmo? – ele me olhou sério, com certeza já preparando uma resposta do tipo “como se você e sua irmã fossem pedras no nosso caminho” mas o interrompi antes que pudesse dizer qualquer coisa. – Além do mais, eu tenho vários compromissos aqui: tenho que me preparar para o segundo período da faculdade... Agora que estou me readaptando a essa vida com “trouxas”, mas vou te dizer uma coisa: tenho que me controlar para não puxar a varinha e ordenar que os panos se cortem e costurem, sozinhos. – papai riu mas ainda assim me olhou de maneira insistente, como se aquilo não fosse desculpa suficiente. Não era mesmo. Então, continuei listando. - E tem Henrique, que não está de férias, não é mesmo? Não posso simplesmente ir para a Grécia e deixá-lo sozinho aqui no Réveillon, justamente quando vamos fazer um ano de namoro. A Bel também não tinha mais desculpas para evitar ir conhecer a família de Bernard. Agora que eles... estão mais juntos do que nunca. – completei a frase e papai riu, percebendo minha contenção. – Vai passar as festas com eles.

Papai balançou os ombros se dando por vencido e fechou o zíper da mala, me encarando com simplicidade.

- Estou muito feliz, sabia? Nunca achei que fosse me sentir tão feliz assim novamente. Sua mãe é maravilhosa e está me ajudando a lembrar porque nos apaixonamos e casamos tão depressa. Foi bem fácil...
- Você não precisava ter me dito isso, papai. Está estampado bem aqui, na sua testa. – eu disse rindo e dando uma palmadinha na testa dele, que também riu. – Agora vai, antes que você perca esse avião! Não sei por que não aceitou que mamãe viesse te buscar para aparatarem juntos.
- Simples: esses meios de transporte bruxos são um tanto...zoados, não acha? Ainda preciso me acostumar. Foguetes e ônibus espaciais me parecem tão lerdos perto daquela tal “chave de portal”. – ri lembrando papai contar com detalhes como se sentiu enjoado depois de pegar uma chave de portal de Paris para Nova York, voltando da nossa formatura. - Imagino então como não deve ser “aparatação”. Você estalar e desaparecer de um lugar, reaparecendo em outro (não importa a distância), segundos depois. – ele pareceu distante em pensamentos uns segundos e fez uma careta. Ri e ele balançou a cabeça, voltando ao normal. – Bom, então vou indo mesmo. Se mudar de idéia, sabe onde estamos... – me deu um abraço forte e um beijo estalado na bochecha. – Se precisar de qualquer coisa, entre em contato, ok?
- Não se preocupe. Já sou maior de idade nos dois “mundos” e sei me virar. Aproveite os dias de folga para descansar e matar mais um pouco do tempo perdido com mamãe. Mande beijos pra ela.

Ele me soltou sorrindo e concordando com a cabeça, indo até a porta. Antes de sair, se virou novamente para me olhar, sorrindo maroto.

- Juízo hein? Diga ao Henrique que estou de olho nele...
- Devo dizer a mesma coisa para você e mamãe? – respondi e rimos. – Vai, pai!
- Te amo, filha.
- Eu também te amo. – Com um último sorriso, ele saiu.

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- Então... O que vamos fazer no Ano Novo? Times Square? – perguntei me sentando ao lado de Henrique no sofá, apoiando minha cabeça em seu ombro e dobrando as pernas para apoiar uma bacia cheia de pipocas no vão entre elas.
- Não. Esse não vai ser um Réveillon comum. Vamos fazer nosso primeiro aniversário de namoro e... dizem por aí, que o ano vai acabar. – ele disse com um tom misturando o sombrio/misterioso e o irônico.
- Quem disse? – perguntei rindo e enfiando uma mão cheia de pipocas na boca.
- Os “trouxas” (no real sentido da palavra) lá da NASA que leram previsões da astronomia charlatã. Eles estão realmente estendendo essa bandeira, sabia? Afirmam por A + B que assim que se der a virada de ano para o segundo milênio... BUM. A terra vai acabar. Eu, bom pesquisador da real astronomia, e namorado de uma bruxa excepcional nessa matéria, não acreditei em nada disso, óbvio. Mas por via das dúvidas, se o mundo for mesmo acabar, vamos estar juntos comemorando nosso aniversário de uma maneira mais...íntima. E não pulando na Times Square. Estou te preparando uma surpresa.
- Ah não, odeio quando você faz isso! – disse brava engolindo muito depressa o resto de pipocas na boca e engasgando. Ele deu palmadinhas nas minhas costas, rindo. Quando melhorei, o encarei censurando. – Você é cheio disso de começar um assunto e parar, só pra me deixar morrendo de curiosidade. Porque tinha que dizer que “está me preparando uma surpresa” se eu sei que não adianta quanto esforço eu aplique em argumentos: você não vai contar nada.
- E você já sabendo antecipadamente que não vou contar nada, ainda assim fica brava? Esquece que disse isso e espere até o Ano Novo. Não gaste energias tentando me convencer. Simples.

Fechei a cara e enfiei uma nova mão cheia de pipocas na boca. Ele riu.

- Você fica irresistível quando finge estar brava, sabia? – ele me puxou para mais perto, dando um beijo em meu pescoço. Tentei me afastar ainda fingindo seriedade, mas amoleci rapidamente, sorrindo.
- É o meu melhor truque de sedução. – disse pousando a bacia na mesa e o puxando para um beijo longo. Logo o empurrava para o sofá, fazendo-o deitar e deitando em cima dele. Quando nos afastamos por uns segundos, ele sorriu passando a mão em meus cabelos. Insisti. – Não dá nem pra adiantar para onde vamos?
- Não, Isa! Pare de ser tão curiosa. Já disse: é uma surpresa. E, além do mais... – ele segurou os meus braços, nos girando e invertendo de posição. Seu rosto estava acima do meu alguns centímetros agora, e ele prendia meu quadril com seus joelhos – não vamos a nenhum lugar tão distante. – Abaixou-se e terminou de falar bem perto do meu ouvido: - Estou gostando deste sofá. – sorri o beijando ao mesmo tempo em que tirava sua camiseta.

[To be continued...]